Devido a crise que assola nosso país, a recuperação judicial apresenta-se como solução eficaz para centenas de milhares de empresas. Ao longo dos anos atuando em processos de recuperação judicial percebemos o quando os empresários ainda imaginam que tal processo seja “um monstro de outro mundo”.
Objetivando desconstituir esse pavor, convidamos você a entender um pouco mais acerca da Recuperação Judicial regulada pela Lei 11.101/2005.
Na crise como a que estamos passamos, muitas empresas, dos mais diversos ramos de atividade, estão se vendo obrigadas a encerarem as atividades por falta de condições financeiras para continuidade das mesmas.
Nestes casos, funcionários são demitidos e na maioria das vezes sem o recebimento das verbas indenizatórias, os fornecedores de produtos e serviços dessas empresas deixam de abastecer suas mercadorias, consumidores notam a falta de produtos e deixam de ser clientes.
Toda a cadeia produtiva e de consumo sofrem com as dificuldades financeiras destas empresas, sem contar que os entes públicos deixam também de arrecadar os impostos inerentes as atividades.
Toda essa problemática tem levado os empresários a buscarem alternativas jurídicas a fim de evitarem o fechamento definitivo de suas empresas. Uma alternativa é a recuperação judicial.
O que é a Recuperação Judicial?
A recuperação judicial é um processo que tem por finalidade recuperar a situação financeira de uma determinada empresa.
Através deste processo a empresa busca a todo custo a continuidade das suas atividades, mantendo sua fonte produtiva e buscando cumprir obrigações junto aos seus credores, como fornecedores, bancos e financeiras de maneira facilitada.
A grande maioria destas empresas que passam por problemas financeiros estão no mercado há mais de 5 anos e a função social que as mesmas exercem em sua localidade é bastante relente.
Por este motivo que se insere a alternativa da recuperação judicial, onde uma espécie de acordo será realizado com os credores (fornecedores, bancos, financeiras).
Como funciona a recuperação judicial na prática?
Imagine uma rede de padarias que opera em determinada cidade. Possui vínculo com mais de 300 fornecedores distintos. Possui conta em pelo menos 4 bancos diferentes e conta com mais de 100 colaboradores diretos.
Esta padaria se percebe em meio a uma crise e quando de debruça em seus balanços percebe que seu faturamento vem caindo de tal forma, que não terá capacidade para honrar os pagamentos nos prazos determinados com seus credores.
Nesta situação já não possui mais linhas de crédito disponíveis, pois já foram utilizadas em outras oportunidades de fragilidade financeira. Começa a atrasar o pagamento dos fornecedores, bancos e funcionários.
Sem adentrarmos em muitos detalhes, é possível afirmar que a rede de padarias mencionada encontra-se em situação de vulnerabilidade financeira.
Para piorar ainda mais a situação, provavelmente vários credores da rede de padarias já ingressaram com ações de execução para terem seus valores pagos.
Neste momento, os bancos também não perdem tempo e já começam a se movimentar para retomar bens fornecidos em garantia pelo pagamento de financiamentos.
Nestes casos a recuperação judicial pode se mostrar como único caminho para salvação da empresa.
Na prática da recuperação judicial, a empresa em crise faz um levantamento completo e detalhado de todos os valores que deve, discriminando, os credores e a natureza do crédito e propõe um plano para pagamento.
Esta proposta tem a nomenclatura de Plano de Recuperação Judicial, neste plano a empresa devedora vai estabelecer quais os caminhos que a mesma pretende percorrer para se recuperar e qual a estratégia utilizará para pagamento dos credores.
Todas as empresa em crise podem pleitear a Recuperação Judicial?
Não. A recuperação judicial somente se presta as empresas que possuem viabilidade, que sejam capazes de demonstrar que a crise enfrentada pode ser superada, através de determinadas atitudes reestruturantes da atividade.
Entretanto, nos casos de empresas sem viabilidade a única solução possível é a falência, que também é regulamentada pela Lei 11.101/2005.
Qual é o primeiro passo para a Recuperação Judicial?
O primeiro passo é uma completa auditoria de todos os documentos, objetivando identificar todos os valore devidos.
Na grande maioria das empresas ao finalizar essa etapa percebem que o débito existente é bem maior do que imaginavam, entretanto, existem casos em que também se encontram possíveis créditos.
Isso ocorre, por exemplo, porque muitos contratos firmados e não pagos pontualmente, acabam sendo cobrados valores indevidos, não existentes nos contratos.
Realizado a auditoria de todos os documentos, chega o momento de peticionar em juízo o pedido de recuperação judicial.
Fase inicial do processo de recuperação judicial
Os requisitos iniciais para o processo de recuperação judicial foi regulado pelo art. 51 da Lei 11.101/2005.
Alguns dos requisitos são:
a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira;
as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável;
O relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;
a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente;
a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento; entre outros.
Após a petição inicial, qual é o próximo passo?
Estando tudo nos devidos conformes, o juiz aceitará o processamento da recuperação judicial e no mesmo ato, nomeará administrador judicial, podendo determinar a suspensão de todas as ações ou execuções que porventura corram contra o devedor.
É imperioso destacar que o Art. 6º §4º da Lei 11.101/2005 determina que em hipótese alguma a suspensão acima descrita ultrapassará o prazo de 180 dias contados do deferimento do processamento da recuperação, ocorre que na prática a realidade é diversa, pois, o próprio STJ já reconheceu a possibilidade do extrapolamento desse prazo devido a grande demanda enfrentada pelo Judiciário.
Sobre o Plano de Recuperação Judicial
Após o aceite do processamento da recuperação judicial pelo Juiz, o devedor terá o prazo de 60 dias para apresentação do Plano de Recuperação Judicial. No plano deverá constar:
A discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o Art. 50 da Lei 11101/2005, e seu resumo;
Neste momento a empresa devedora poderá fazer uma proposta para pagamento de todos os credores de uma forma diferenciada:
Ex: Pagar os créditos trabalhistas integralmente a partir do oitavo mês da recuperação e pagar os demais créditos num prazo de cinco anos, com um desconto de 40% no valor total do crédito atualizado.
Vale destacar que esta proposta é efetuada pelo devedor e precisa ser feita dentro de parâmetros razoáveis, pois quem vai aprová-la ou reprová-la são os próprios credores. A empresa devedora deverá demonstrar e convencer os seus credores que a proposta é justa e que a empresa realmente possui condições de se reerguer.
Demonstração de sua viabilidade econômica;
Neste item a empresa devedora deverá apresentar seu planejamento, baseado nas projeções de mercado, mediante a reestruturação proposta pelo Plano de Recuperação, do faturamento e dos resultados previstos.
A empresa devedora deverá demonstrar que a empresa possui viabilidade real de recuperação.
Laudo financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.
Assembleia dos Credores
A lista completa dos credores apresentada pela empresa devedora, organizada e atualizada pelo Administrador Judicial será publicada em edital.
Nos casos em que os credores não concordem, poderão apresentar impugnação. Caso o nome de algum credor não figure na lista o mesmo poderá apresentar habilitação de crédito.
O juiz convocará assembleia de credores para deliberação acerca do Plano de Recuperação Judicial que será presidida pelo administrador judicial.
Aprovado o plano de recuperação judicial, a empresa devedora começará a executá-lo. Reprovado o plano, o juiz decretará a falência da empresa. Também pode ocorrer a hipótese do chamado “cram down”: Para que o plano seja aprovado, a votação deve respeitar o disposto no Art. 45 da Lei 11.101/2005.
Se a votação não for suficiente para atingir o disposto no Art. 45 o plano de recuperação judicial será reprovado. Entretanto, o devedor poderá solicitar ao juiz que o aprove, desde que cumpridas as exigências do Art. 58 §1º da Lei 11.101/2005.
Esta concessão da recuperação judicial pelo juiz sem a aprovação completa do plano pelos credores é chamada pela doutrina de “cram down”.
Conclusão:
A recuperação judicial, conforme a própria lei define, tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise financeira da empresa devedora, com objetivo de permitir as atividades da mesma, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, propiciando, assim, a preservação da existência da empresa, sua função social e o estímulo à economia nacional.
O maior principio é o da “continuidade da empresa”.
No processo de recuperação judicial, tanto o devedor quanto credores devem agir com responsabilidade, objetivando não transformar o processo em uma meio de postergar pagamentos, o que não é admissível à luz do direito.
Esperamos poder ter sanado algumas dúvidas, embora saibamos que não adentramos em outras questões do processo de recuperação judicial.