No cenário complexo dos tributos brasileiros, pequenas e médias empresas frequentemente se veem navegando por mares turbulentos, especialmente quando o assunto é ICMS. A mais recente tempestade envolve as Secretarias da Fazenda estaduais que, com olhos de águia, estão autuando empresas de todo o Brasil sob a alegação de sonegação fiscal. Tudo isso graças a um sofisticado cruzamento de informações entre notas fiscais emitidas e dados das operadoras de máquinas de pagamento.
Notificação das Fazendas Estaduais: O Grande Irmão Está de Olho
As operadoras de cartões de crédito e débito enviam relatórios detalhados das vendas realizadas para as Fazendas Estaduais. Com essas informações em mãos, o Fisco compara os valores declarados pelas empresas no PGDAS (Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional) com os dados fornecidos pelas operadoras de cartões. Quando surgem discrepâncias, o Fisco não hesita em apontar o dedo para a sonegação fiscal.
Por exemplo, em Pernambuco e Minas Gerais, as instituições financeiras e administradoras de cartões são obrigadas a informar mensalmente à Secretaria da Fazenda todas as operações realizadas com cartões de débito e crédito. Se sua empresa não declarar corretamente essas vendas no PGDAS, o Fisco pode facilmente considerar que houve sonegação.
Consequências das Divergências: O Preço Amargo da Inconsistência
As empresas do Simples Nacional desfrutam de alíquotas reduzidas e unificadas para o pagamento de ICMS. No entanto, a sonegação fiscal pode transformar essa vantagem em uma verdadeira armadilha financeira. Os Fiscos Estaduais aplicam alíquotas severas, como os 18% em Minas Gerais, com base no art. 13, § 1º, inciso XIII, alínea “f” da Lei Complementar nº 123/06, que exige ICMS sobre vendas desacobertadas de documento fiscal.
Imagine uma empresa com uma média mensal de R$ 20.000,00 em vendas não declaradas por cinco anos. A dívida acumulada pode alcançar R$ 216.000,00 em ICMS. Com juros e multas, esse valor pode facilmente dobrar, atingindo meio milhão de reais, levando muitas empresas à beira da falência.
Venda em Cartão de Crédito/Débito: Proteção Fiscal em Jogo
É crucial entender que vendas realizadas com cartões de crédito e débito não estão desacobertadas de documento fiscal. As informações fornecidas pelas administradoras de cartões são consideradas documentos fiscais. Por exemplo, o art. 132, III, do Regulamento do ICMS de Minas Gerais equipara essas informações a documentos fiscais.
Portanto, mesmo que uma venda não seja declarada no PGDAS, ela não pode ser considerada desacobertada de documento fiscal, pois as informações das operadoras de cartões já cumprem esse papel.
Quebra de Sigilo de Informações e Dados Bancários: Uma Prática Ilegal
Além da questão das alíquotas indevidas, os Fiscos Estaduais obtêm essas informações de vendas de forma muitas vezes ilegal. A coleta desses dados sem a instauração de um processo administrativo ou fiscal configura violação ao sigilo bancário, garantido pelo Art. 6º da Lei Complementar 105/2001 e pelos incisos XII, LIV e LV do Art. 5º da Constituição Federal.
Essa prática já foi contestada judicialmente, como no caso do Rio de Janeiro, onde foi mantida a anulação de uma multa de ICMS baseada em dados de administradoras de cartões obtidos ilegalmente (AREsp 1.890.707).
Exemplo Prático: A Realidade dos Números
Para ilustrar, imagine que sua empresa, optante do Simples Nacional, realizou R$ 80.000,00 em vendas via cartão de crédito em um mês, mas declarou apenas R$ 50.000,00 no PGDAS. O Fisco, ao cruzar os dados, detecta uma diferença de R$ 30.000,00 e considera sonegação fiscal.
Aplicando a alíquota geral de 18% sobre a diferença, a cobrança seria de R$ 5.400,00, enquanto no regime do Simples Nacional, o valor seria aproximadamente R$ 700,00.
Proteção da Empresa: Navegando em Águas Seguras
Para evitar problemas futuros, certifique-se de emitir notas fiscais para todas as suas vendas e declarar integralmente os valores no PGDAS. Contudo, se houver cobrança indevida, procure um escritório de advocacia especializado em direito tributário. Este é o farol que pode guiar sua empresa através das águas traiçoeiras da tributação.