Nas encruzilhadas da Justiça do Trabalho, cada decisão judicial carrega consigo a promessa de redefinir o equilíbrio delicado entre os direitos dos trabalhadores e as responsabilidades dos empregadores. No caso mais recente que chegou à 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a disputa envolve o Estado do Amazonas e a trabalhadora M. de J. M. da S., junto com outros reclamantes, contra a empresa terceirizada R. F. X. Serviços Médicos e Hospitalares, revelando a complexidade da responsabilidade subsidiária da Administração Pública e as nuances da culpa in vigilando.
A decisão se tornou um campo de batalha jurídica, onde se discutiu a possibilidade de transferência automática da responsabilidade subsidiária ao ente público. O Supremo Tribunal Federal (STF) já havia estabelecido que o inadimplemento dos encargos trabalhistas por parte da contratada não transfere automaticamente a responsabilidade ao Poder Público contratante. Porém, no presente caso, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) constatou que não houve fiscalização adequada dos encargos trabalhistas pela empresa contratada, o que caracterizou a culpa in vigilando do Estado do Amazonas.
Essa decisão do TST, que negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelo Estado do Amazonas, reforça a necessidade de uma fiscalização efetiva por parte da Administração Pública em contratos de terceirização. Ela não só impacta diretamente os envolvidos, mas também estabelece um precedente crucial para futuras disputas trabalhistas, delineando os contornos da responsabilidade subsidiária no setor público.
A Análise Jurídica e Seus Desdobramentos
A decisão da 5ª Turma do TST, ao negar provimento ao agravo de instrumento, fundamenta-se em uma análise detalhada dos pressupostos de admissibilidade e do mérito da questão. A essência do conflito reside na aplicação da responsabilidade subsidiária da Administração Pública, particularmente quando há omissão na fiscalização dos encargos trabalhistas.
Pressupostos de Admissibilidade
O acórdão em questão foi publicado sob a vigência da Lei nº 13.467/2017, que trouxe modificações significativas ao direito trabalhista brasileiro. Os pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso foram atendidos, incluindo a tempestividade do recurso, a regularidade da representação processual e a isenção de preparo, conforme previsto nos artigos pertinentes da CLT e do Decreto-lei 779/1969.
Responsabilidade Subsidiária e Culpa in Vigilando
No mérito, a discussão central girou em torno da responsabilidade subsidiária do Estado do Amazonas, que foi contratante dos serviços prestados pela R. F. X. Serviços Médicos e Hospitalares. A responsabilidade subsidiária da Administração Pública não se presume; ela precisa ser comprovada mediante a demonstração de omissão na fiscalização dos contratos de terceirização.
O TRT destacou que, durante o curso do contrato de trabalho, a empresa terceirizada deixou de cumprir com suas obrigações contratuais, não repassando os salários e não depositando o FGTS dos trabalhadores. Essa falta de cumprimento das obrigações trabalhistas evidenciou a ausência de fiscalização por parte do Estado do Amazonas, configurando a culpa in vigilando.
Jurisprudência e Súmulas Aplicáveis
A decisão do TST está em conformidade com a tese firmada pelo STF no RE 760931/DF, que estabelece a impossibilidade de transferência automática da responsabilidade subsidiária. No entanto, a culpa in vigilando foi claramente demonstrada nos autos, alinhando-se ao entendimento da Súmula 331 do TST, que prevê a responsabilidade subsidiária do ente público em casos de terceirização quando há inadimplência do empregador e falta de fiscalização.
Além disso, o TST ressaltou que cabe ao ente público o ônus de provar a efetiva fiscalização do contrato de prestação de serviços, conforme reiterado em diversas decisões anteriores. A nova lei de licitações, Lei 14.133/2021, também reforça essa obrigação, prevendo medidas específicas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada.
Conclusão: Precedentes e Lições para a Administração Pública
A decisão da 5ª Turma do TST, ao manter a responsabilidade subsidiária do Estado do Amazonas, estabelece um precedente importante para a Administração Pública e para o setor de terceirização. Ela ressalta a necessidade de uma fiscalização rigorosa e contínua dos contratos de prestação de serviços, evitando assim a transferência de encargos trabalhistas para o ente público.
Essa decisão também sublinha a importância de uma gestão diligente dos contratos de terceirização, onde o poder-dever de fiscalização deve ser exercido de maneira efetiva para proteger os direitos dos trabalhadores e evitar responsabilidades adicionais para a Administração Pública. A aplicação rigorosa da Súmula 331 do TST e a jurisprudência consolidada visam garantir que os trabalhadores terceirizados não sejam prejudicados por inadimplências das empresas contratadas.
Além disso, a decisão reforça a tese de que a responsabilidade subsidiária não é automática e deve ser baseada em provas concretas de omissão na fiscalização. O Estado do Amazonas, ao não demonstrar a fiscalização adequada, foi responsabilizado de forma subsidiária, o que serve como um alerta para outros entes públicos sobre a importância de cumprir rigorosamente seus deveres contratuais e fiscais.
Em suma, este caso destaca a evolução do direito trabalhista no Brasil, onde a proteção dos direitos dos trabalhadores e a responsabilização adequada dos empregadores e tomadores de serviços são pilares fundamentais. A decisão do TST, ao negar provimento ao agravo de instrumento, não apenas resolve a disputa específica, mas também contribui para a construção de um sistema jurídico mais justo e eficiente, orientando futuras relações de trabalho no âmbito da Administração Pública e além.