No complexo universo jurídico das recuperações judiciais, cada decisão pode ressoar amplamente, influenciando a trajetória de empresas e seus coobrigados. A recente decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a execução de título extrajudicial contra uma empresa em recuperação judicial e seus fiadores exemplifica as nuances dessas disputas jurídicas.
Em um caso emblemático, duas sociedades empresárias ajuizaram execução de título extrajudicial no valor de R$ 2 milhões contra uma empresa devedora principal e outras quatro pessoas, fiadoras.
A decisão do STJ, relatada pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, estabelece diretrizes importantes sobre a extinção e suspensão de execuções, levando em consideração a aprovação do plano de recuperação judicial e as cláusulas de exoneração de garantias.
A Natureza da Recuperação Judicial e da Execução
A recuperação judicial visa permitir que empresas em dificuldades financeiras possam reorganizar-se e continuar operando, mantendo empregos e cumprindo suas obrigações de maneira sustentável. No presente caso, a empresa devedora principal entrou em recuperação judicial, levando o juízo de primeiro grau a suspender a execução em relação a ela, mas permitindo o prosseguimento contra os coobrigados.
A Questão da Cláusula de Exoneração de Garantias
Os executados interpuseram agravo de instrumento, argumentando que o plano de recuperação aprovado previa a extinção de todas as ações e execuções contra a recuperanda e seus garantidores, o que incluía fiadores e avalistas. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) deu provimento ao agravo apenas para suspender a execução em relação a todos os executados, sem extingui-la definitivamente.
Distinção entre Recuperanda e Coobrigados
Ao analisar o recurso especial no STJ, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva destacou a diferença fundamental entre a situação da recuperanda e a dos coobrigados. A aprovação do plano de recuperação resulta na novação dos créditos, que implica na extinção da execução contra a sociedade em recuperação judicial. Isso porque o descumprimento do plano resultaria na convolação da recuperação em falência, execução específica do plano ou decretação da quebra, conforme artigo 94 da Lei 11.101/2005.
Suspensão da Execução contra Coobrigados
Para os coobrigados, a situação é diferente. Caso haja descumprimento do plano durante o período de fiscalização judicial, o credor pode requerer a convolação da recuperação judicial em falência, restabelecendo seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, conforme artigos 61, parágrafo 1º, e 73, inciso IV, da Lei 11.101/2005. A execução contra os coobrigados, portanto, pode prosseguir, mesmo que inicialmente suspensa.
Novação Definitiva e Execução Específica do Plano
O ministro Cueva também ressaltou que, após o período de fiscalização judicial, a novação dos créditos se torna definitiva, conforme artigo 62 da Lei 11.101/2005. Nesse caso, a execução contra os coobrigados não pode mais ser retomada, consolidando a exoneração das garantias. O credor deve buscar a execução específica do plano ou a falência com base no artigo 94, inciso III, alínea “g”, da Lei 11.101/2005.
Conclusão: Implicações e Precedentes para o Futuro
A decisão da Terceira Turma do STJ estabelece um precedente crucial para futuras disputas em planos de recuperação judicial. A distinção clara entre a extinção da execução contra a recuperanda e a suspensão da execução contra os coobrigados ressalta a necessidade de análise minuciosa dos planos de recuperação e das cláusulas de exoneração de garantias.
Proteção dos Credores e Estabilidade Jurídica
Essa decisão equilibra a proteção dos credores e a viabilidade da recuperação judicial, garantindo que os credores não sejam prejudicados pela novação dos créditos. Ela também fornece um guia claro para as empresas em recuperação e seus fiadores sobre suas responsabilidades e os riscos envolvidos.
Impacto na Estruturação de Planos de Recuperação Judicial
Empresas em recuperação judicial e seus consultores jurídicos devem considerar cuidadosamente a redação das cláusulas de exoneração de garantias, garantindo que estejam alinhadas com as expectativas dos credores e com a jurisprudência vigente. A clareza nas condições de novação e a distinção entre diferentes partes envolvidas são cruciais para evitar litígios futuros e assegurar a execução eficaz dos planos de recuperação.
Em resumo, esta decisão do STJ reforça a complexidade e a importância das cláusulas de exoneração de garantias nos planos de recuperação judicial. Ao estabelecer diretrizes claras para a extinção e suspensão de execuções, ela contribui para a estabilidade jurídica e oferece um caminho mais seguro para empresas e credores navegarem pelos desafios da recuperação judicial.
Esta notícia refere-se ao acórdão no REsp 1.899.107